segunda-feira, 16 de abril de 2012

O Romanceiro da Inconfidência - Cecília Meireles


Romance XXXI ou De Mais Tropeiros

Montaria
Por aqui passava um homem
- e como o povo se ria!-
que reformava este mundo
de cima da montaria.
Tinha um machinho rosilho.
Tinha um machinho castanho.
Dizia: "Não se conhece
país tamanho!"
"Doc Caeté a Vila Rica,
tudo ouro e cobre!
O que é nosso, vão levando...
E o povo aqui sempre pobre!"
Por aqui passava um homem
- e como o povo se ria!-
que não passava de alferes
de cavalaria!
"Quando eu voltar - afirmava -
outro haverá que comande.
Tudo isto vai levar volta,
e eu serei grande!
"Faremos a mesma coisa
que fez a América Inglesa!"
E bradava: "Há-de ser nossa
tanta riqueza!"
Por aqui passava um homem
- e como o povo se ria! -
"Liberdade ainda que tarde"
nos prometia.
E cavalgava o machinho.
E a marcha era tão segura
que uns diziam: "Que coragem!"
E outros: "Que loucura!"
Lá se foi por estes montes,
o homem de olhos espantados,
a derramar esperanças
por todos os lados.
Por isso passa um homem
- e como o povo se ria! -
e, atrás, a sorte corria...
Dizem que agora foi preso,
não se sabe onde.
( Por umas cartas entregues
ao Vice-Rei e ao Visconde. )
Pois parecia loucura,
mas era mesmo verdade.
Quem pode ser verdadeiro
sem que desagrade?
Por aqui passava um homem...
- e como o povo se ria! -
No entanto, à sua passagem,
tudo era como alegria.
Mas ninguém mais se está rindo,
pois talvez ainda aconteça
que ele por aqui não volte,
ou que volte sem cabeça...
( Pobre daquele que sonha
fazer bem - grande ousadia -
quando não passa de alferes
de cavalaria! )
Por aqui passava um homem...
- e o povo todo se ria.

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